segunda-feira, 27 de junho de 2016

HOMOFOBIA MATA!


Em face à recente tragédia em Orlando (junho de 2016) que deixou os frequentadores da boate Pulse (publico LGBT) aterrorizados, que deixou o mundo indignado além de 49 mortos, entendemos que nosso trabalho com o grupo HOMOPATER - direcionado a homens e pais que se identificam como não heterossexuais - tem o dever de refletir, identificar e, se preciso tratar, a homofobia. Tanto a internalizada, de cada um de nós, como aquela que é refletida em nossos familiares, no grupo que vivemos.


Esse tema ja vem sendo aprofundado em nossos encontros. Há cerca de uma ano e meio (fevereiro de 2015) discutimos homofobia sob a otica da vulnerabilidade. Ressaltamos que manutenção de segredos (não se reconhecer homossexual, homoafetivo, gay) pode gerar adoecimento, ou seja, é fator de vulnerabilidade. Para a psicologia vulnerabilidade pode ser entendida como uma conjunção de aspectos e atitudes do indivíduo, alem de fatores do meio, que expõe a pessoa ao risco.


Em se tratando de homossexualidade a não aceitação, a negação (homofobia internalizada) desse aspecto estrutural de sua identidade (não se assumir) é fator de risco. Torna o individuo psicologicamente vulnerável, podendo levar ao adoecimento. Ficar no armário interfere negativamente, dificulta o desenvolvimento integrado de aspectos da personalidade, da homoafetividade, da homoparentalidade e a realização saudável e plena do indivíduo. A contrapartida no entanto é promissora porque o se assumir (se reconhecer primeiro e depois se aceitar homossexual) favorece a integração dos aspectos psicológicos do indivíduo; pode promover o desenvolvimento e evolução harmônica.


Existem aspectos de personalidade que habilitam, que instrumentalizam o ser humano em face da adversidade, aumentando a capacidade de enfrentamento. As competências do indivíduo frente à constatação de sua homossxualidade promovem um forte escudo contra a ansiedade e depressão. Os que são resilientes mostram: fé; espiritualidade; humor; altruísmo; otimismo; tem capacidade de encarar medos; dão significado à sua vida, têm uma missão; têm prática em perceber e superar dificuldades; têm um conjunto de valores consistentes e convicções não passíveis de fragmentação.


A capacidade de enfrentamento do que é adverso (critico, ruim, negativo, ameaçador para o ajustamento) está relacionada ao desenvolvimento dessas competências. O fortalecimento pode se dar através de estratégias de enfrentamento das vulnerabilidades, buscando esclarecimento, informação, apoio e ajuda junto a uma rede de iguais e ou um suporte especializado profissional.


Sabemos que individuos com capacidade de enfrentamento e que não negam aspectos associados à sua homossexualidade (se reconhecem e se aceitam) são pessoas com elevada autoestima, com autoconceito positivo, são produtivos e criativos. São ainda capazes de se envolver afetiva e amorosamente e com baixo nivel de ansiedade e depressão. Ou seja como nos legou a psicanálise: saude mental está associada à capacidade de amar e trabalhar.


O ponto crucial dessa discussão, que sustenta a homofobia internalizada em cada um e que consiste no desafio do individuo homossexual é se aceitar. E como fazer isso? Identificando e tratando a homofobia internalizada.


E dessa forma, com base nesses prenúncios, tentamos entender o que aconteceu em Orlando. Porque a HOMOFOBIA MATA, isto é, porque um individuo, em nome de crenças, valores, e acima de tudo movido por um aspecto não reconhecido - negado e ameaçador - de sua personalidade perturbada, elimina, assassina, o outro, e neste caso "os outros", os homossexuais? Ele age assim porque esta em surto, ele atua como um assassino e sai eliminando aspectos que não aceita em si, que ele só enxerga no outro - nos homossexuais - fora de si; matando os homossexuais ele 'loucamente' está eliminando seus próprios desejos e impulsos homossexuais negados reprimidos. Não pode se assumir homossexual já que cresceu, se desenvolveu, imputando à homossexualidade apenas aspectos negativos doentios, errados, sujos. Sabemos que seu próprio pai chegou a dizer que ele não precisava ter matado, que Deus iria castigá-los, pois não eram dignos! Absurdo um pai errar dessa forma na educação de crianças, mas não é tão incomum, nem muito distante de nós, acreditem.


Então pensamos se isso é assim tão grave, tão ameaçador, porque em nome do direito ou liberdade de expressão, de crença, religião, valores... continuamos a tolerar os indivíduos que as desrespeitam? Quem vive e prega suas normas e regras fundamentalistas ou rígidas, que julgam o outro como errado, indigno só porque não é heterossexual não pode continuar a agir dessa forma, livremente, já que isso nos torna vulneráveis, é fator de risco ao outro que não é como ele. É uma concreta ameaça à nossa segurança, ao nosso equilíbrio e bem estar, de nossos familiares, da sociedade e à manutenção do direito do outro.


Se não conseguimos alcançar o mundo, o grande publico, nem mudar as instituições ou a politica com nossas ações podemos pensar no que podemos fazer no nosso pequeno circulo. Nossos familiares, nosso grupo social não pode ser educado de forma menos preconceituosa?


Temos que refletir profundamente nessa ameaça que paira sobre todos nós, de forma velada, insidiosa, às vezes numa brincadeira, mas sempre respaldada num arraigado preconceito contra homossexuais e contra a própria homossexualidade, internalizada como homofobia. Não reconhecer, não aceitar e não educar seu circulo para respeitar sua homossexualidade é deixar de promover junto a seus filhos, familiares e amigos a necessária tolerância; é permitir que essa doença - a homofobia - fique instalada no seu entorno. Educação que contempla o respeito, que reconhece a verdade, ou seja, que ensina que existe uma ampla e natural diversidade da sexualidade - apesar de que em menor numero, já que estima-se que cerca de 20% da humanidade não é heterossexual.


Nosso dever, como pais, adultos, irmãos, filhos, educadores e principalmente como homossexuais que somos é acima de tudo reconhecer em si mesmo para então educar para a diversidade de raças, de nível social, ou que quer que seja que tenha que ser respeitado no 'outro'. desafiar cada um a se tratar, se necessário, mas antes de tudo se instrumentalizar, através de informação, de busca de apoio e suporte para seus medos e dificuldades.


Ainda ontem, numa deliciosa e feliz noite, tivemos o imenso prazer de participar do casamento de dois amigos, o Jônatas e o Fábio Paranhos, este ultimo nosso amigo do grupo Homopater e também pai. Eles celebraram num evento familiar, que trouxe para o visível, para o social, o relacionamento amoroso e digno que eles vivem. Não deve ter sido fácil, claro, porque a família nem sempre olha com muita compreensão ou total aceitação, mas estavam todos lá, participando do ritual, com o juiz, alianças, flores, musica, amigos e claro a lua de mel... que marca e sela qualquer casamento e que também consagra o amor homossexual, tão saudável quanto o heterossexual. Todos, pais, irmãos sobrinhos, amigos, estavam brindando, chorando e rindo, brincando, celebrando e festejando de forma natural e efusiva o amor que pode sim ter um nome, que pode ser vivido e respeitado. Foi pura emoção ver Sofia, a filha de 19 anos de Fábio, uma menina que conhecemos com 10 anos, ali toda linda e chic 'recebendo' todos como a mais feliz - e chorona - anfitriã dessa festa!


Isso é apenas um exemplo do que está faltando para relegar a tal da homofobia a um lugar pouco visível, indigno, de doença a ser tratada, que é o lugar dela. Então os homens, pais e gays talvez precisem de um pouco mais de ousadia para prosseguir em sua necessária luta para chegar nisso, de poder viver e dizer o nome que seu amor tem. Nós sabemos que vale a pena!


Vera Lucia Moris
São Paulo, Junho de 2016

2 comentários:

  1. Interessante pensar que morremos por homofobia causada também pós nós mesmos, nunca tinha pensando por este lado, talvez por ter me assumido muito cedo e sempre ter convivido com pessoas assumidamente gays e com aceitação familiar.
    Sua colocação sobre nós enquanto pessoas e educadores de nossos círculos de convívio, foi muito significativa para mim. Espero conseguir contribuir não somente com quem convive comigo, neste enfrentamento a ideais homofóbicos, mas com aqueles que de alguma forma trabalham com educação, mostrando que sim sou gay e excelente educador.
    Abraços.

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  2. Ronaldo muito bom, estou feliz, que você tenha sentido essa mobilização, foi essa a chamada do texto. É isso que precisamos fazer à nossa volta, despertar, educar, mobilizar! abraços

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